Nós, os loucos

Sucesso na carreira.
Relacionamento heteronormativo, família com filhos, um cachorro. Para os mais descolados, um gato.
Carro na garagem.
Trabalho hoje, amanhã, daqui a quarenta anos. E em nenhum dia esse trabalho foi feito com prazer, mas ele paga as contas, paga objetos que não preciso, coisas que ficarão jogadas em um canto. É pra isso que se trabalha, pra ter dinheiro pra comprar coisas que não me servem.
A gente corre, corre todo dia o dia todo e nunca tem tempo para o que importa.
Sempre na cabeça: casa própria cheia de coisas que não uso, um casamento estável, porém infeliz, umas duas crianças que gritam o dia todo pedindo mais das coisas que elas não precisam, um cachorro de raça e que saia bem nas fotos. Fotos que retratam a vida linda e perfeita que eu não tenho.
Afinal, o dinheiro que juntei com o trabalho que eu odeio serve pra isso, pra mostrar ao mundo que eu pareço ter a vida perfeita que eu de fato não tenho.
E quem está feliz com o oposto disso, é louco. Como alguém fica feliz com uma vida simples, um trabalho que paga mal mas que satisfaz a alma, que te motiva a acordar todos os dias de manhã e que te faz ir dormir com a sensação de estar vivendo o seu propósito? Como alguém fica feliz com uma vida que é de verdade ao invés das ilusões que planto seguindo padrões que não me encaixo, mas os vivo porque disseram que era pra ser assim?
Como alguém é feliz sendo autêntico? Me disseram que eu tinha que ter 40kg, cabelo liso e loiro, e é isso que eu faço, mesmo preferindo o castanho e amando sorvete.
Eu corto o glúten, corto o leite, leio os livros clássicos, os conceituais, que não gosto e não entendo, mas me fazem parecer inteligente, e pra isso que serve mesmo. Parecer. Porque eu iria querer ser  se posso parecer?
Eu vivo esse manual dessa sociedade doente e me permito ficar doente, disseram que era assim que tinha que ser.

E os loucos?
São eles, os autênticos, ou os que vivem os paradigmas dessa sociedade decadente?
Nós, os loucos. Quem somos?

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